Dez lições que aprendi (ou confirmei) no último ano OU Reflexões de aniversário

eu 2016

Ontem completei 33 anos de vida, e embora não me importe mais tanto com aniversários, acho que datas como essas são especialmente boas para reflexão. Aquele balanço que a vida demanda de vez em quando. A gente vai vivendo a vida no automático porque não dá tempo nem de dormir direito e deixamos de fazer algo que justamente nos torna humanos e nos diferencia uns dos outros: pensar.

No poema de Manuel Bandeira, disse o médico: diga trinta e três. E assim o paciente descobriu que não lhe restava nada, a não ser tocar um tango argentino. Eu acho que os trinta são os novos vinte, e não me incomodo de avançar na idade, não. Sinto o peso: meu corpo não é mais complacente como antes, não posso comer tanto quanto comia e as ressacas são mais frequentes e intensas. E quanto mais me aproximo dos trinta e cinco, mais penso em duas questões cruciais: ser mãe e ter uma carreira de sucesso. Engraçado, no entanto, que esse ano, quanto mais meu aniversário se aproximava, mais passei a desconstruir ideias e pensamentos que tinha rígidos dentro de mim. E nada mais adequado que falar sobre as grandes lições que aprendi (ou confirmei) nesse último ano.

ANÁLISE – TODO MUNDO DEVERIA FAZER

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Até os mafiosos fazem

É inegável o papel da análise na minha vida, especialmente nos últimos dois anos, e muitas da lições das quais falarei aqui estão diretamente ligadas às descobertas que fiz no divã – no sentido figurativo, já que na realidade eu sento em um sofá. Comecei a fazer análise aos 15 anos de idade. Minha mãe suspeitava que minha irmã tinha TDAH, ou transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, o que a levou para o consultório. Ela, por sua vez, desconfio eu, suspeitava ter depressão, e também passou a se tratar. Eu, que não queria ficar de fora e ouvia com entusiamo as conversas entre as duas acerca da terapia, decidi que queria experimentar. Fiquei com a mesma psicóloga por cerca de dez anos, indo e voltando, naquele ritmo inconsequente do adolescente que está virando adulto, até que algumas coisas no tratamento passaram a me incomodar profundamente. Eu tinha certa facilidade em enfrentar meus monstros internos, mas questões éticas sempre foram um pré-requisito inegociável nas minhas relações, e quando ela passou a quebrar alguns acordos, percebi que era hora de parar. A confiança com o terapeuta nunca deve ser quebrada. Durante esses dez anos eu já havia sofrido com crises de depressão e de transtorno de humor. Fiz acompanhamento psiquiátrico e tomei remédios por muito tempo. Mas me sentia, naquele momento, mais confiante, e decidi parar. Há quatro anos, tive uma crise de ansiedade e pânico, e percebi que era bom voltar. Procurei outra profissional, de quem acabei gostando logo de cara, e agora, mais responsável, passei a frequentar a terapia com assiduidade invejável. É bem possível que tanto a frequência quando a maturidade tenham feito surtir o efeito que dez anos de terapia, até então, não tinham conseguido. E é claro que a qualidade da profissional que me atende hoje e minha familiaridade com o processo ajudaram na evolução progressiva e contínua. Conforme as pessoas à minha volta vão investindo no auto-conhecimento através da análise – porque, sim, análise não é apenas para tratamento de doenças, como tanta gente ainda imagina -, e conforme eu vou enxergando a evolução acontecendo a olhos vistos, certifico-me, cada vez mais, que isso não deveria ser privilégio de poucos. Se entendêssemos as coisas mais cedo pouparíamos tanto sofrimento, aos outros e a nós mesmos, que eu acredito que todo mundo deva procurar um psicólogo em alguma momento da vida, e àqueles que não têm condições financeiras para tal, esse benefício deveria ser oferecido gratuitamente. Acho que dessa maneira evitaríamos muito sofrimento mal compreendido.

PRECISAMOS DE MENOS COISAS DO QUE ACHAMOS

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Quanto menos coisas no armário, mais fácil de decidir o que vestir

Foi-se o tempo em que se construía carreira em cima do sonho de se obter bens até então imprescindíveis, como casa própria, carro do ano e viagem pra Europa e para a Disney para a família toda. Aumenta o nomadismo, a mobilidade que não depende de carro e a vontade de viajar pro, veja só, Brasil, por que não? Eu cresci economizando e lidando com a mão de vaquisse do meu pai. E talvez isso tenha criado em mim uma necessidade enorme de independência financeira e acumulação de bens materiais. Quando eu comecei a trabalhar e ainda morava com meus pais, gastava o que hoje considero verdadeiras fortunas em tardes frívolas no shopping center mais próximo. Nunca faltou nada para mim e para minha irmã, mas todos os nossos gastos e presentes tinham que ser justificados em três vias e autenticados em cartório, o que gerou uma frustração que mais tarde mandou a conta em forma de vontades inexplicáveis de comprar roupas que eu não ia usar, livros que eu não ia ler e tudo quanto é tipo de tranqueira que não me torna mais feliz, não me completa e não me alimenta. Nos últimos anos, porém, desde que eu e o Marcelo decidimos nos casar, passamos a apertar o cinto. A cada ano, mais um furinho. Primeiro foi para guardar dinheiro para a festa. Depois, para decorar a casa. Aí eu fiquei uns meses sem trabalhar, e depois ele, e depois eu de novo. Tudo isso misturado no caldeirão que é a nossa situação política e econômica. A primeira a cair fora foi a TV a cabo. Depois passamos a cozinhar todos os dias para comer fora só em situações especiais. Aí, tivemos que abrir mão da diarista que fazia faxina de quinze em quinze dias. E isso só pra dar alguns exemplos. Nem preciso falar que roupinha da estação, maquiagem baphônica e sapato de 500 contos não eram nem cogitados mais, né? E foi aí que eu percebi que nada dessas coisas me faz falta. TV a cabo é cada vez mais inútil no mundo. O streaming dá conta do recado e faz um serviço muito melhor por muito menos dinheiro. Cozinhar em casa demanda esforço e disciplina, mas gera conteúdo para o blog, nos mantém saudáveis e de barriga feliz. E alguém para limpar minha casa, nunca encontrei uma que tivesse todas as qualidades que almejo numa pessoa que vai ter a chave da minha casa, mexer em todas as minhas coisas, limpar tudo do jeito que eu gosto (e, olha, eu sou bem chata com limpeza) e, principalmente, cuidar da Nina como o cuidado que ela merece. Então, acaba que dá trabalho limpar a casa, mas se organizar direitinho, todo mundo descansa e a casa fica um brinco. Quanto às roupinhas, produtinhos de beleza e sapatos, esses eu tirei de letra. A quantidade de coisas que comprei por impulso e estão acumuladas no meu guarda-roupa sem uso é enorme e eu tenho vergonha disso, mas ao mesmo tempo as mantenho 1. porque sou descendente de japoneses e portanto tenho uma veia acumuladora, por mais que lute fervorosamente contra isso; 2. porque eu acho que eventualmente poderei dar uso melhor a essas coisas, já que gastei tanto dinheiro com elas; e 3. porque elas me servem para me lembrar que tudo isso é fútil e eu não preciso mais me preocupar em acumular mais coisas que não vão fazer a menor diferença na minha vida. É libertador não ter dinheiro para esbanjar porque a gente percebe o quanto já gastou inutilmente, e como não precisamos dessas coisas.

CÃO (OU GATO): TODO MUNDO PRECISA DE UM (PELO MENOS)

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Cães são companheiros e não dão trabalho algum

Quando eu nasci, a casa já tinha uma primogênita. Kelly era uma boxer dócil e atlética que não se acostumou com a falta de espaço e teve que se mudar, depois de anos dividindo o quintal comigo e minha irmã, para um sítio. É isso mesmo: minha mãe contou a velha história de que a cachorra foi para um lugar mais espaçoso, aquela que os pais geralmente contam para os filhos quando os bichos de estimação morrem. Mas essa eu sei ser verdadeira, e sei que lá ela deve ter sido muito mais feliz. Por anos a fio implorei sistematicamente por um cachorro de estimação, menor, que fosse. Quando nos mudamos para uma casa maior, tive meu desejo realizado: adotamos uma pastora alemã, a Scully, poderosa como a agente do FBI do Arquivo X, popular naquela época. Oito anos depois, ela morreu vítima de envenenamento , quando uma quadrilha invadiu nossa casa na calada da noite e nos fez de reféns por longas cinco horas. O trauma fez meus pais perceberem que cães são companheiros, e que nunca mais adotaríamos um animal que tivesse outra função, como a guarda que a Scully proporcionava, mas que lhe custou a vida. Poucos anos depois adotamos uma labradora, a Sofia, o animal mais agitado, alegre e destruidor que eu conheci. Filhotes de labradores são tão atraentes quanto são caóticos, e a Sofia tinha tanta energia que só sossegou lá pelos sete anos de idade. Depois que saí da casa do meu pai, ele passou a cuidar dela, que era minha responsabilidade, até então. Mas a gente nunca sabe como é ter uma bicho como filho, até sair de casa e ser cem por cento responsável por ele. Na sua casa, você faz as suas regras, e não tem para quem apelar quando ele apresenta algum sintoma estranho ou se comporta de maneira indesejável, a não ser profissionais que vão cobrar caro e nos quais você vai ter que aprender a confiar. Adotar um animal sem ter pai nem mãe como respaldo é uma extensão do processo de se tornar realmente independente. Dá medo, mas é bom. Depois de três anos morando juntos, decidimos que era chegada a hora de dar o próximo passo e adotar um cão. As inseguranças eram muitas: vou saber educar? vai dar muito trabalho? como eu faço quando for viajar? vou gastar muito dinheiro? Mas o fato é que todo o amor que o seu cão ou gato vai te proporcionar é tão sufocantemente intenso que qualquer perrengue deixa de ser perrengue e passa a ser condição. É preciso de preparar, se informar, saber cuidar como se fosse filho mesmo. É preciso ter tempo e dinheiro para proporcionar uma vida saudável e confortável. Bichos não são brinquedos ou parte da mobília, e o comprometimento ao se fazer uma adoção é enorme. Mas compensa, ah, como compensa. Além das quatro cachorras que já citei, já tive dois hamsters e dois gatos quando criança. Tive um pintinho, também, desses de feira cruel que eu espero que não existam mais. Só que ele veio bem doentinho para mim e durou só uma noite. Mas o amor que sinto pela Nina, a vira-latinha/poodle/maltês que eu e o Marcelo adotamos há três anos de um abrigo não está no gibi. Pela primeira vez, senti por um animal amor de mãe, aquele criado e alimentado pela oxitocina, sabe? Sim, minha gente, é científico e nem venham tirar sarro: nós, humanos, e eles, cachorros, liberamos oxitocina, o hormônio do amor, no corpo quando fazemos carinho um no outro, ou quando nos olhamos. E num mundo tão duro e solitário, digo e repito: ter um (pelo menos) bicho de estimação salva a vida.

É PRECISO DISCUTIR AS DESIGUALDADES SOCIAIS TODOS OS DIAS

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Lutar é preciso

Esse ano tive pelo menos três enormes e relevantes discussões com pessoas preconceituosas e equivocadas acerca de feminismo e machismo, homofobia e heteronormatividade e racismo que resultaram em brigas homéricas e o consequente afastamento permanente desses indivíduos – ao menos em uma esfera imaginária, onde eu posso me enxergar dentro de uma bolha caso seja obrigada a conviver com essas pessoas. De acordo com a maioria dos meus amigos, a lição que eu deveria tirar disso é que sou problematizadora e briguenta demais, que eu deveria passar menos tempo com pessoas desse tipo e menos tempo ainda das mídias sociais, onde normalmente essas discussões se iniciam e, finalmente, que nenhuma discussão desse tipo nunca vai levar a lugar nenhum e que toda a energia dispendida foi desperdiçada. Admito que sou problematizadora, e a cada dia que passa, fico mais. Temo ser a chatona do rolê? Não mesmo! Se a minha presença já inibe comentários escrotos, já estou no lucro. E acho que a humanidade só consegue sair do status quo se questionando. Se minhas palavras servem como sementinha da discórdia, que seja em uma discussão entre cem, nem tudo foi em vão. Talvez eu acate o conselho de passar menos tempo com essas pessoas, mas também devo colocar que isso nem sempre é uma escolha. Lembram das discussões sobre política que rolaram nos almoços de domingo, festas de quinze anos e batizados esse ano? Parente é serpente, mas tem alguns que a gente não pode evitar. De acordo com a minha analista, é impossível discutir com um psicopata (e o mundo está bem mais cheio deles do que a maioria gosta de acreditar), e eu devo admitir que tenho tentado evitar discussões com certas pessoas porque eu sei que para elas, eu soo como disco riscado e porque, para mim, é saudável mentalmente. Mas acredito com todas as forças que a gente precisa cada vez mais pensar e falar sobre desigualdades sociais. Se é impossível argumentar com o energúmeno ao lado, que se reflita, pelo menos. A desconstrução começa aqui dentro da nossa própria cacholinha.

FILHOS NÃO SÃO O CURSO NATURAL DA VIDA

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Rosemary e seu instinto maternal invejável

Quando minha mãe engravidou de mim, no começo dos anos 80, o padrão estabelecia que as mulheres se casassem por volta dos 25 e tivessem seu primeiro filho um ou dois anos depois do casamento, até os 30. Hoje é mais comum que se engravide mais tarde, depois dos 40, até. A entrada da mulher no mercado de trabalho atrasou a chegada dos bebês, e os avanços da medicina permitiram tal atraso, ainda que eles sejam pouco acessíveis financeiramente e os riscos ainda sejam altos a partir de uma determinada idade. Mesmo com todas as diferenças entre gerações, no entanto, os casais que decidem não ter filhos ainda são vistos com olhos de estranheza e incompreensão, pela maioria. Para a sociedade, importa mais ter um filho que criar um filho bem. No curso natural da vida selvagem, afinal, macho e fêmea procriam para perpetuar a espécie e fim de papo. Para os humanos, nada mais natural que copiar o exemplo, né? A gente tem mais é que superlotar esse planeta destruído com mais gente porque o que importa é a procriação da espécie, não é mesmo? Tá, ter filhos tem implicações sociais e culturais, e não apenas biológicas, mas qual é mesmo o motivo que as pessoas usam como justificativa para a obrigatoriedade de se ter filhos? Dentre os mais célebres e escabrosos estão: medo de ficar sozinho na velhice, medo de me arrepender de não ter tido filhos, vontade de ver como seria uma pessoa metade eu e metade o outro, porque Deus quer assim, porque isso é o normal, porque tenho instinto maternal, porque meu corpo está pedindo, porque estou ficando velha e logo mais não poderei mais engravidar, porque adoro crianças. A maioria das respostas está imbuída de um sentimento egoísta e imediatista, percebem? E, não me levem a mal. Eu realmente não sou contra ter filhos e não acredito que todos os pais sejam irresponsáveis e egoístas. Eu mesma não tenho certeza se não terei filhos. É possível (mas pouco provável) que eu mude de ideia daqui a um tempo. E se for “tarde demais”, adotarei com prazer. No decorrer dos últimos anos, já fiz muitas pesquisas a respeito de crianças. Aprendi um pouco sobre os tipos de parto (incluindo o humanizado e suas vertentes), li muito sobre alimentação infantil, pesquisei sobre diversos métodos de ensino. E eu nem estava pensando em ter filhos. Apenas acho importante saber em que terreno estou pisando antes de tomar uma decisão tão importante quanto esta. Você faz test drive antes de comprar um carro, não é mesmo? Você pesquisa diversos modelos de computador antes de comprar um, né? Você lê (e se não lê, deveria) os rótulos dos alimentos para escolher entre marca A ou B, certo? Se você decide ter um filho, por que acha que vai aprender tudo “instintivamente”? De acordo com a psicologia, bebês recém-nascidos já estão sendo influenciados e traumatizados pelos pais, e se você não está preparado para educar uma criança, que tipo de adulto você acha que ela se tornará? Esse ano, eu e o Marcelo decidimos: vamos parar com a nóia de ter filho por enquanto. Nós gostamos da nossa vida como ela é, sem tirar nem pôr. Adoramos nossa rotina, mas adoramos mais ainda poder quebrar a rotina quando bem entendemos. A Nina completa nossa família de maneira plena, e não há sensação de vazio ou necessidade de dar o “próximo passo”. Se isso mudar nos próximos anos, legal. Vou estudar com muito afinco e me dedicar a isso como nunca me dediquei na vida. Mas me sinto finalmente livre desse problema. Porque “ninguém é obrigado a nada” é a melhor frase que já criaram. Aliás, falemos mais sobre essa próxima lição.

NINGUÉM É OBRIGADO A NADA

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Na dúvida, levante o dedo e se faça entender

Em 2016, esse se tornou meu mantra. Para alguém que sempre baseou suas ações em obrigações impostas pela sociedade, no dever moral e no bem estar de outrém em detrimento do próprio, me orgulho ao dizer que percorri um caminho longo e cheio de percalços, mas alcancei, ao menos em tese, aquele lugar onde importa mais a minha vontade que a do outro. A automaticidade de se colocar em prática o que se aprendeu na teoria, no entanto, ainda não alcancei, até porque foram anos acreditando que se deve engolir o choro e reprimir os desejos para alcançar um convívio pacífico e uma existência equilibrada e justa. Muito disso, acredito, venha da maneira como fui criada por meus pais, que, por sua vez, absorveram da criação de seus pais, e assim por diante, princípios de uma cultura japonesa que reprime em função da ordem, o que é, de certa forma, uma qualidade admirável, mas que ao mesmo tempo destrói o indivíduo de pouquinho em pouquinho. Por outro lado, sempre tive características controladoras, que herdei das mulheres da minha família, de ambos os lados. Passei por incontáveis situações onde eu não conseguia entender porque minha decisão não era acatada, num trabalho de colégio em grupo, por exemplo, ou dentro de um relacionamento amoroso, tudo por ser controladora. Sofri muito com essas situações, não porque não aceitavam minhas sugestões ou ideias, mas porque acreditava que o faziam porque não se importavam com elas justamente pelo fato de virem de mim. Eu sentia, muitas vezes, que era solidária e ponderada o suficiente para todos ficassem minimamente felizes com o comprometimento, e quando necessitava que o outro o fizesse por mim, não o faziam. Foram necessários anos de terapia e muita vontade de me auto-conhecer para compreender que da mesma maneira que o outro não é obrigado a nada, eu também não sou, e isso foi uma das descobertas mais libertadoras da minha vida. Por consequência, passei a esperar e cobrar menos de todos, o que diminuiu significativamente minhas frustrações. E do lado de cá, passei também a me cobrar menos quanto a cumprir protocolos e priorizar o outro (ou a harmonia entre nós) em prejuízo do meu bem estar ou da minha vontade. E eu acho que se todos colocassem isso em prática de verdade em suas rotinas, a sociedade seria mais saudável e evitaríamos muitas desavenças infundadas.

DIRIAM MEUS PAIS: AMIGOS DE VERDADE A GENTE CONTA NOS DEDOS DA MÃO E OLHE LÁ

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I get by with a little help from my friends

A timidez sempre me impediu de fazer várias coisas, especialmente fazer amigos. A vergonha era tanta que eu mal olhava na cara dos coleguinhas do jardim da infância, e o isolamento me machucava tanto que em determinado momento fui perguntar à minha mãe, “o que há de errado comigo?”. Depois de uma breve análise ela sugeriu, “amanhã, tente entrar na sala de aula, olhar os colegas nos olhos, sorrir e dizer oi, e se não der certo, você me diz”. Deu certo, e eu voltei para casa feliz da vida ansiosa para contar a novidade à minha mãe. Foi meu primeiro passo contra as limitações da timidez e em direção à socialização. E embora eu tenha tido algumas péssimas experiências com amigas abusivas, a partir de um determinado momento as coisas começaram a melhorar. Meus grupos de amigos eram cada vez maiores e eu passei a ter certa popularidade na classe. Recebia muitos bilhetes nos dias que antecipavam o amigo secreto, tinha alguns admiradores e sempre ficava com o papel principal das peças de teatro. E veio a adolescência, cheia de hormônios, inseguranças e competição. Na escola nova, eu demorei para me sentir à vontade, e passei o colegial inteiro sendo rebelde. Mas foi no último ano que fiz alguns amigos que estão na minha vida até hoje. Nesse momento de mudanças constantes, no entanto, eu pulei de galho em galho, e eles também. Vieram os amigos da faculdade e outros grupos que se formaram em outros lugares: no primeiro emprego, no MMORPG que eu joguei por um tempo, os amigos dos amigos que viram amigos. Os amigos da faculdade foram os que permaneceram com mais constância na minha vida, tanto que alguns deles se tornaram padrinhos de casamento e tals. E mesmo assim, chega um momento na vida em que por mais que você queira, é impossível manter todas as amizades ativas. E não é só isso. Sou uma pessoa que se entrega nos relacionamento e faz de tudo para manter a harmonia, como já disse, o que fez com que eu me decepcionasse com muitos amigos em quem confiava piamente e que acabaram não alcançando minhas expectativas quando eu mais precisei. A verdade, independentemente se você espera mais do que devia, é que os amigos adoram compartilhar momentos divertidos com você. Mas os amigos de verdade são aqueles que estarão do seu lado quando você estiver chato, mal humorado, deprimido e desempregado. E esses são raros. E tudo bem. Ao contrário do que eu imaginava, amigos podem ser divididos em diversas categorias: para beber, para viajar, para desabafar, para falar sobre amenidades. Alguns poucos parecem se encaixar simultaneamente em todas as categorias, e se você os tiver, preserve-os com muito zelo.

A DOR DE PERDER ALGUÉM NUNCA PASSA

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Minha mãe era a pessoa mais importante da minha vida. Sempre tivemos uma relação muito próxima, simbiótica, até. A ideia de viver sem ela era inconcebível, e no entanto, como a vida prega peças, ela se foi aos 54 anos, depois de lutar contra um câncer devastador por 4 anos. Minha mãe me ensinou quase tudo de importante que eu sei, e eu tenho um orgulho enorme de ter sido sua filha por quase 25 anos. E se teve um exemplo que ela me deu foi o de ser independente, forte e fazer o que eu quisesse na vida. Ela era assim, empoderada, e assistir ao seu definhamento foi a coisa mais triste da minha vida. Mais triste, até, que sua morte. Só que depois da morte, vem o vazio e a noção de que você nunca mais vai sentir o cheiro da pessoa, ou ter uma conversa com ela. Lembro-me que no dia seguinte ouvi minha tia nos chamar da cozinha de casa. “Venham tomar café da manhã”, ela disse. E a primeira coisa que pensei foi “nunca mas vou tomar café com a minha mãe”, e aquilo era tão triste que eu achei que fosse morrer de tristeza. Oito anos e uma crise de pânico depois, estou melhor. Tenho uma saudade que aumenta a cada instante, mas toda vez que a enxergo em mim, me acalento. Dizem os parentes que eu fico, a cada dia, mais parecida com ela, e isso me dói tanto quanto me orgulha. As lágrimas vêm sempre. Agora, por exemplo. E filmes e livros que tratam de luto são difíceis para mim até hoje. Eu odeio Dia das Mães e não gosto de comemorar Natal e Ano Novo porque a morte dela foi muito próxima ao fim do ano, o que coincide também com o meu aniversário, o da minha irmã e o do meu pai. Ela não participou do meu casamento, e por isso eu fiz uma festa quase que inteiramente em sua homenagem. E são três os momentos em que sinto mais a sua falta: 1. quando quero compartilhar alguma conquista pessoal, da qual ela certamente se orgulharia, 2. quando preciso de colo que só mãe consegue dar, 3. quando não lembro de como se faz uma comida que ela costumava fazer e tenho que descobrir na base da tentativa e erro. Já faz tempo que ela se foi e talvez eu tenha demorado mais para subir os primeiros degraus em direção à superação que as outras pessoas. Não acreditar em vida após a morte não facilita. Mas disso tudo veio uma maturidade forçada que me levou para lugares antes inimagináveis. Hoje me vejo em um lugar do qual me orgulho, e sei que a superação dessa triste jornada teve papel crucial nisso. Melhorou, também, a relação entre meu pai e eu, que sempre foi conturbada, quando não era inexistente. Sei que cada um lida de uma forma como o luto, mas na minha experiência, aquela dor no fundo do peito não foi embora, e pelo visto não vai tão cedo – se é que vai um dia. A gente só aprende a lidar melhor com ela.

NÃO TER CERTEZA É MELHOR QUE TER

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Vai uma pílula aí?

A escola da vida ensina que mais importante que o caminho, é a decisão que levou a ele, e que devemos escolher, a todo tempo, que caminhos tomar. Ela também ensina que, escolhido um caminho, é melhor não voltar atrás, especialmente se você já percorreu um tanto significativo. Outra coisa que ela nos ensina é que alguns caminhos são melhores que outros, e depende de cada um de nós lutar para ter acesso à elite dos caminhos. Essa escola nos limita e nos condiciona a aceitar o inaceitável, abrindo mão da felicidade e dando lugar ao conformismo. Essa escola está errada. Se a vida são escolhas, nada mais justo que poder fazê-las sempre que necessário e possível. Mudar de ideia é saudável porque nos torna humildes e nos ensina sobre o caminho A, o B e o C, ao invés de só o A. A gente aprende, quando muda de ideia (e passa a não ter mais certeza de nada), que as possibilidades são infinitas e que temos autonomia para escolher entre elas, ou talvez mais de uma. Ser rígido traz sofrimento e falta de esperança, que depois pode se tornar ressentimento. E se é impossível ter certeza sobre tudo, a ideia de que se é gera preconceito, ainda por cima. Eu aprendi, nos últimos anos (e tive certeza nesse que está acabando) que eu poso mudar de ideia quantas vezes eu quiser, desde que o faça com responsabilidade e esteja disposta a caminhar com perseverança e entusiasmo. Não sei para onde esses novos caminhos que estou trilhando vão me levar, mas o meu objetivo é claro e é pensando nele que eu tenho forças para começar caminhos novos todos os dias. Mudar de ideia me tornou também mais humilde, e hoje eu sei que sei pouco e que não ter certeza de nada me faz querer saber cada vez mais sobre tudo.

“AINDA SOMOS OS MESMOS E VIVEMOS COMO NOSSOS PAIS”

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Tal pai, tal filho

A gente tenta com muita força não se parecer com nossos pais. Normalmente, eles, humanos que são, cometem uma série de erros que nos traumatizam (em níveis aceitáveis ou não) e a ideia de nos tornarmos eles é aterrorizante e inconcebível. No meu caso, como perdi minha mãe prematuramente, acontece o contrário. Os trejeitos, a voz e os traços físicos dela aparecem vez ou outra e isso me alegra, porque sinto como se ela estivesse um pouco aqui, ainda. Mas não é bem sobre isso que gostaria de falar. A questão é que a gente se acha muito rebelde e revolucionário na adolescência e no início da vida adulta, acha que vai evitar todos os erros cometidos pela geração anterior e fazer tudo ao contrário, só para provar um ponto. Conforme a idade avança e vamos alcançando a idade em que nossos pais se tornaram pais, passamos a perceber que somos mais moralistas e caretas do que pensávamos, e que os planos revolucionários não parecem mais tão boa ideia. A gente acha que, se um dia tiver filhos, vai ser super liberal com eles, de um jeito que nossos pais não foram, e conforme vai ficando mais velho passa a enxergar os perigos dessa abordagem. Pode ser o contrário, também. Quem teve pai ultraliberal pode ter crescido querendo ser careta pra depois se ver liberal tanto quando os pais. Os pequenos hábitos que antes era repugnantes também contam: escutar Antena 1, dormir vendo filme no sofá da sala, reclamar da dor nas costas e esquecer o nome de todo os novos atores famosos de Hollywood. Mesmo que você não goste de Antena 1, já tomou consciência que a 89 é a Antena 1 da nossa geração? Fora as coisas que vêm com a idade mesmo: nostalgia, achar que não se faz mais música ou filme como antigamente, dizer “na minha época” ou “no meu tempo que era bom”, querer acordar mais cedo para aproveitar o dia, ter ressacas homéricas com um décimo da quantidade de álcool que você costumava ingerir na adolescência e se preocupar com coisas como segurança, previdência privada, áreas arborizadas e ingestão de fibras. Mais que entender que me pareço mais com meus pais que imaginava e perceber que mudei mais nos últimos três anos que durante minha vida inteira, a epifania que tive esse ano foi que estou mais próxima do que eles são/foram, sim, e não me envergonho nem um pouco disso. Acho bonito e engraçado.

6 comentários sobre “Dez lições que aprendi (ou confirmei) no último ano OU Reflexões de aniversário

  1. Adorei o tom superpessoal desse texto. Por mais textos assim! Acabei me identificando com várias coisas, além de estar também na casa dos 30. Perdi 2 cachorros por chumbinho, minha mãe morreu no dia de ano novo, e hoje mesmo eu fui na psiquiatra e na terapeuta. Estou lutando contra a ansiedade nesse exato momento. Os seus relatos vieram em boa hora.
    Eu também já cansei da vida checklist, em que a gente vai marcando as coisas que é obrigado a fazer. Impossível que todas as pessoas do mundo fiquem satisfeitas do mesmo jeito.
    As minhas certezas se vão numa velocidade cada vez maior. Às vezes eu fico meio desesperada, e em outras vezes nem acho tão ruim.
    Ah, e parabéns! Por muitos e muitos anos de uma vida animada e super preenchida de carinho e experiências boas 😉

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    • Eu sempre quis fazer textos assim, mas acho que tinha receio de me expor ou achava que não ia conseguir escrever sobre isso. Mas eu adorei fazer e adorei o feedback também! Vou fazer disso um costume!
      Nossa, quanto coisa em comum! Eu sabia sobre sua mãe, mas não lembrava que era no ano novo. Tem a coisa de não querer ter filhos também, né? O mundo tá chato e algumas coisas parecem começar a mudar. Que bom que não estou sozinha!
      Brigada pelo carinho e atenção de sempre! Beijos!

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      • Sim, eu já resolvi não ter filhos, mas o mundo não me perdoa e não me deixa em paz hahaha
        Eu sou suspeita pra falar, porque eu sempre faço textos super hiper mega pessoais. Já me disseram que é muita coragem, mas acho que eu ganho muito mais do que eu poderia perder. A gente descobre uma comunhão com tanta gente, e fica mais próxima até de quem já conhecia. Eu não sei o que eu faria sem o blog e a newsletter e todas as pessoas que encontrei no meio desse caminho.

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